Nossos queridos inquilinos

 

Ilustração: o_soo_lemio


Nossos queridos inquilinos


 A população de seres vivos que moram nos nossos intestinos é chamada de microbiota intestinal. Ela interfere fortemente na nossa saúde, nos ajudando a combater inimigos indesejáveis e doenças. Sabe-se que existem trilhões de bactérias de mais de cem tipos diferentes na nossa flora intestinal.  

 Além de combater as bactérias maléficas, a nossa microbiota ajuda na digestão da lactose, estimulação do sistema imune, evita a constipação, auxilia na absorção de minerais e vitaminas entre outros benefícios.

 Há estudos sobre a influência da microbiota na prevenção do câncer de cólon, infecções do sistema urinário e genital e doença cardiovascular. Alguns sugerem efeitos contra a hipertensão e no controle do colesterol. (Fonte: Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas n°42, artigo de Susana Marta Isay Saad, do Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica da USP)

 Eu conversei com o gastroenterologista Eduardo Yuske Oku sobre a importância da microbiota e ele me explicou que esse conjunto de bactérias que nos habita é considerado como mais um órgão do nosso organismo. Tanto é que nos últimos cinco anos as pesquisas sobre a flora intestinal se intensificaram e as teorias sobre as influências da microbiota na saúde são muitas. No entanto, é preciso que os estudos sejam conclusivos para que a medicina se comprometa com tratamentos que utilizam bactérias em cápsulas. Algumas já são conhecidas e utilizadas, como as que auxiliam no tratamento de diarreia e gases, por exemplo. Mas há médicos que estão prescrevendo probióticos para o tratamento de autismo, ou de obesidade. Nestes dois últimos casos, apesar das pesquisas em andamento, não há ainda dados suficientes que comprovem a eficácia.

 O que sabemos é que os micro-organismos benéficos do nosso intestino travam diariamente uma batalha contra as bactérias que causam doenças. Enquanto eles, os bonzinhos, conseguirem sobreviver a essa batalha, nosso organismo mantém o equilíbrio e a saúde vence. Porém, se alguma coisa der errada, se a nossa microbiota, por algum motivo, não for mais forte que os inimigos, as coisas complicam. Quer um exemplo clássico? Quando a gente toma antibiótico. O remédio mata a bactéria que nos faz mal, mas também agride fortemente as bactérias do bem que moram nas nossas tripinhas. Com esse desequilíbrio, é comum ter diarreia durante o tratamento com antibióticos. Com o tempo as boas bactéria voltam a se reestabelecer, mas... até lá o estrago já foi feito. Álcool e cigarro também são inimigos dos nossos bons micróbios, assim como uma alimentação pobre em fibras e rica em açúcares.

 Com tantas coisas importantes para fazer no nosso organismo, esse exército de bichinhos precisa ser bem tratado e fortalecido. E cabe a nós ajudá-lo, de duas maneiras básicas: aumentando a ingestão de boas bactérias e aumentando a ingestão de alimentos para essas bactérias. Em outras palavras, são bem-vindos na nossa dieta os probióticos e os prebióticos. Os probióticos são alimentos ou medicamentos que contém microrganismos vivos, que promovem o equilíbrio da microbiota intestinal. Os prebióticos são componentes alimentares não digeríveis, que estimulam a proliferação e a atividade de bactérias benéficas no cólon. Se a gente pensar bem, é como ter um bichinho de estimação (na verdade trilhões deles) dentro da nossa barriga e alimentá-los direitinho, cuidar deles como fazemos com os nossos pets.

 Em cada cultura, de todas as partes do mundo, notamos a presença de probióticos na alimentação das pessoas. O iogurte, o queijo, os picles e conservas, o missô (pasta de soja fermentada japonesa), o chucrute (repolho azedo) e muitos outros. Todos são alimentos que passaram por fermentação ou por um processo que utiliza as bactérias benéficas em sua produção. Hoje está na moda consumir o kefir e tomar Kombuchá, já ouviu falar? Também são probióticos. E não podemos esquecer do nosso querido Yakult, que a mãe só dava um por dia, mas a gente queria mesmo era tomar um litro inteiro. Nas farmácias tem as cápsulas e ampolas com flora intestinal. Mas via de regra, não precisamos de laboratórios para manter a nossa flora. Sou mais do chucrute do que do comprimido. O problema é que com o consumo de alimentos ultraprocessados, fomos deixando de lado, e até mesmo nos esquecendo dos alimentos probióticos que estavam presentes na alimentação dos nossos antepassados. Quem faz iogurte caseiro hoje em dia? Quem faz conservas deliciosas como as da vovó?

 E quanto aos prebióticos? Do que a nossa microbiota precisa? Os prebióticos, como já disse, são fibras e substâncias que não digerimos, ou seja, não nos nutrem, porém alimentam a microbiota. São basicamente quatro grupos de substâncias, encontrados em alimentos de origem vegetal: inulina, pectina, lignina e FOS (ou frutooligosacarídeos).

 Os FOS são encontrados em alimentos como o tomate, a cebola, a aveia, o trigo e a banana. A pectina é uma fibra muito comum nas frutas, como na casca da maçã e no bagaço de frutas cítricas e nas ameixas. A lignina está nas cascas de oleaginosas e leguminosas como o feijão, soja, gergelim e linhaça. A inulina está no alho, nos aspargos e na raiz da chicória, no dente-de-leão e na alcachofra. Com tantas fontes naturais, não precisamos nos preocupar em comprar capsulas de prebióticos nas farmácias não é mesmo? A não ser, é claro, com a orientação de um médico em casos especiais. Aliás, vamos combinar aqui, que a diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem. Ou seja, assim como a nossa microbiota, tudo precisa de um equilíbrio. Não devemos exagerar em nada, tudo deve ser consumido com moderação.

 Na próxima coluna prometo voltar a este assunto, mas desta vez, trazendo receitas caseiras simples e saudáveis que nos ajudam a cultivar lindos bichinhos nos nossos intestinos. Até lá.

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